terça-feira, 22 de setembro de 2009

Às vezes sinto-me cansada...


Às vezes sinto-me cansada…, não é fácil trabalhar como enfermeira num serviço de medicina, em que a média de idades dos doentes internados é acima dos 75 anos de idade e de certeza que pelo menos 80 % deles são dependentes para satisfazer as suas necessidades. Hoje em dia, quando chegamos ao serviço as nossas preocupações baseiam-se essencialmente em duas, quantas macas existem no corredor e quantos somos neste turno, seja enfermeiras ou auxiliares…

Nem damos por nós a perguntar se está tudo bem com o outro que é nosso colega de trabalho ou mesmo amigo, quando o olho no rosto… vejo o cansaço e o desespero de tentar conseguir “fazer” tudo… Claro que nunca se consegue fazer tudo, mas há sempre pequenas coisas que gostamos que fiquem prontas para não deixar mais trabalho para quem vem a seguir a nós…

Há dias que entro quase em desesperança…, há dias em que mal consigo estar com as famílias dos doentes, com sossego, dar-lhes a minha atenção… Há dias que podem pensar que sou antipática, porque mal os olhei nos olhos quando me perguntavam como estava o seu pai…, mas… não tive tempo. E peço desculpa…, peço desculpa em ter no mínimo 12 doentes, numa tarde, isto se não houver macas…, em que tenho de administrar toda a medicação sem erros e tenho que os ajudar a posicionar-se, ou fazer mesmo tudo por eles quando ficam inertes numa cama, por isso prefiro que pensem que sou antipática, em vez de levarem o vosso pai com uma “ferida” (ulcera de pressão) e não saberem o que fazer em casa e entrarem vocês em desespero depois…

Teria tempo para falar convosco se no meio destas duas pequenas grandes coisas, não entrassem três ou quatro doentes vindos do serviço de urgência, aos quais necessitamos de dar mais atenção e de começar a conhecê-los, se não existissem situações de urgência em doentes que pioram, isto se não atendêssemos telefones a toda hora, não tivéssemos que levar doentes a exames e tratar de burocracias…, porque nós afinal fazemos tudo e… ainda somos enfermeiros…

Há dias que as lágrimas me vêem aos olhos quando quatro ou cinco doentes me pedem as mais variadas coisas ao mesmo tempo e não consigo dar resposta, há dias que… sinto que não vejo nada feito, há dias que preciso de me sentar e respirar fundo e acreditar que… sou capaz…

Porque…, deixo de comer para mudar uma fralda a um doente ou dois,
Porque…, deixo de ir tantas vezes à casa de banho para dar um minuto de atenção a um doente…
Porque acredito que o fiz, porque queria… e não estou a cobrar ou que seja reconhecido esta minha, ou nossa, capacidade de deixarmos cuidar de nós para cuidarmos de vós… Apenas queria ter tempo para cuidar de mim e de vós com mais qualidade e não estar sempre a dizer já vou… ou andar de passo apressado de cá para lá…

Às vezes sento-me e olho o corredor cheio… com doentes em maca e pergunto-me… Se há pessoas que conhecem esta realidade, em que ouvimos gemidos de dor, em que ouvimos gritos de doentes agitados, em que ouvimos alguém a pedir sofregamente, em que existem pessoas que morrem no corredor… connosco ou na nossa passagem… não morrem sós, mas morrem como se de um descampado se tratasse, cheio, mas de gente desconhecida…

E ainda conseguimos chegar a casa dar um beijo aos nossos pais, sorrir e abraçar o namorado como se do último dia se tratasse…

Temos o maior sorriso do mundo, quando sorrimos…

Com pouco fazemos muito e sentimos que vamos todos os dias para uma batalha em que o principal é a qualidade de como cuidamos de seres iguais a nós.

No meio desse “descampado” essas pessoas doentes são capazes de mesmo assim nos dar um grande sorriso, sabendo que há sempre alguém em quem podem confiar… mesmo que nos conheçam há 5 minutos. E são estes sorrisos e são estes olhares ternos de quem já não consegue falar, em rostos que o tempo marcou, que me fazem esquecer que… às vezes sinto-me cansada**

1 comentário:

Anónimo disse...

Simplesmente LINDO !
E Bom saber que existem pessoas como Tu !

Obrigado ...

Anibal Borges