sexta-feira, 5 de outubro de 2007
São todos os gestos…
Porque é que as palavras não transportam aquilo que realmente queremos dizer? Porque é que não levam o toque, o abraço, o calor do nosso corpo, a intensidade do olhar, que realmente queremos transmitir, mostrar… que estamos ali, tal e qual como se ao lado um do outro. Palavras são estanques, simples, escritas, por vezes até mesmo vazias, quando comparadas com o nosso olhar quando estamos juntos, com o abraço apertado, com o passar fino dos meus dedos no teu rosto, a tua mão quente na minha pele, a tua respiração forte junto a mim…
Palavras aí nada são, atropelam-nos os movimentos, os sentimentos…, basta o gesto que diz tudo… E quando não estou contigo? Como te posso fazer lembrar, ou dizer tudo aquilo que te digo, quando me dás a mão? Quando te abraço junto a mim?...
Aí?... Fecha os olhos e relembra…, relembra o que te digo nos meus gestos quando estou contigo…
Assim quando te escrevo abraço, lembra-te do abraço que te dou quando estou contigo… Quando te escrevo saudade, lembra-te de quando te dou a mão… Quando te escrevo gosto de ti, lembra-te da minha mão a afagar a tua pele… Quando te escrevo palavras, palavras que sejam bonitas lembra-te que são ainda mais que isso mesmo, são o meu desejo de estar junto a ti misturado com a tristeza de não ocupares as 24h do meu dia comigo…, são todos os gestos de todos os nossos momentos juntos**
Tudo se torna familiar...
Não sei qual é o amor que vale mais, que é mais verdadeiro, mais intenso, mais que tudo…, se o amor à primeira vista… se o amor que cresce com a convivência, aquele em que olhamos o outro que não nos diz nada… mas que vai crescendo à medida que o olhamos, que partilhamos pequenas coisas com esse outro que és tu. A primeira vez que reparamos que afinal nos diz mais que aquilo que mostrou no seu primeiro olhar, no seu primeiro gesto, que afinal nos toca a alma, o coração e nos faz definhar quando notamos que ainda hoje não nos disse nada…. Mas afinal não será amor também à primeira vista? À nossa primeira vista diferente, à nossa primeira vista do coração…
Acredito que este seja o amor verdadeiro, aquele em que conhecemos o outro serenamente, aquele com quem estamos realmente à vontade, não temos a preocupação se estamos bem ou não, apenas nos sentimos bem. Sentimo-nos em paz e sentimos que podemos ser um livro aberto, porque não nos vai julgar, nem temos medo de fazer má figura, porque afinal não queremos fazer boa figura, queremos apenas estar com alguém que goste de nós verdadeiramente, que nos faça sentir que estamos em “casa”.
Daí este ser o verdadeiro amor, desde o primeiro instante somos nós próprios, somos quem nos apresentamos desde o inicio, não somos ninguém a fazer boa figura durante algum tempo que depois se desvanece… É aí que residem os verdadeiros sentimentos, se começamos a gostar do outro que nos faz sentir “em casa”, começamos a sentir que afinal, isto não é só amizade… é mais que isso… Sentimos saudades quando passa um dia sem nos dar noticias, sentimos vontade de dizer adeus a essa saudade e correr ao encontro dessa pessoa. Começamos a sentir que queremos trazer para casa esse “estar em casa”. Porque começa a fazer parte da nossa vida, sabe como somos realmente e que gosta de nós mesmo assim. Aí reside a essência…, se realmente gostamos dessa pessoa assim, muito dificilmente nos irá desiludir muito menos ainda, sentirmos que mudou, porque não irá mudar é apenas assim, como é, tal e qual…
Este é o verdadeiro amor, chamem-lhe o quiserem, mas eu chamo-o “sentimento de estar em casa”, tudo se torna familiar…**
terça-feira, 17 de julho de 2007
Até já… Lutador de sonhos...
Hoje lá estavas tu…, sentado na sala de televisão a distraíres-te com as imagens que te devolvem força e vida, pequenos espaços de tempo para não pensares no que estás a fazer aqui internado e porque é que a vida te empurrou para este local… se ficas entre nós ou se partes daqui a algum tempo, imagens enevoadas já que a televisão não tem antena, mesmo assim distrais-te, distraías-te do tempo que a vida te rouba…
Lá fui eu ter contigo, o aparelho por onde te corre o liquido que te mata o corpo por dentro, o liquido que te leva o bom e o mau, te deixa desprotegido e te rouba a vida, não para de alarmar, lá vou eu ter contigo resolver o problema, resolver o problema de por novamente o liquido que te corrói por dentro, mas que te dá mais tempo entre nós… “Apetrecho-me” toda, com máscara e luvas duplas, de forma a acautelar que me caia algo da quimioterapia que te traz vida e morte aos poucos, numa balança equilibrada que pende para um lado, mais certo que outro…
È tarde, hora de jantar…, serviço cheio de pessoas doentes…, mas em vez disso aproveitas o momento para falar, mostrar esse sorriso que há uns tempos andava escondido no desânimo da vida que caminhava sem uma luz. Hoje não, hoje contas os teus planos, os teus projectos…, o casamento a 25 Agosto deste ano, a sorte que tens de ter uma esposa que te acompanha sempre e em qualquer circunstância, mas… não evitas e contas-me os teus obstáculos…. O desejo de ser pai e o aborto que a tua mulher teve há pouco tempo…, o afastamento de amigos de anos, que afinal não são amigos…, que desde começaste nestas andanças, junto de nós, olhas à tua volta e poucos vês ou nenhuns. Que não compreendes porque as pessoas se entregam a pessoas que não as amam, porque destroem a sua vida, por pessoas que não valem a pena, porque destroem a vida enquanto tu lutas por sobreviver e por uma vida mais saudável… que ironia… Uns lutam para a vida outros deixam-se cair na tentação de pensar que a vida não vale nada… falas da rapariga internada aqui que tentou o suicídio, por um namorado que nem sequer gostava dela… Não querias tu ter a saúde dela e poder viver sem lutar diariamente? Querias…
Como te olho nos olhos e penso, será que podes realmente ter um filho depois do que passas-te aqui… a tua morte começou por onde dás a vida, onde podes gerar a tua descendência… Não me interessa, prefiro acreditar que um dia vais ser pai, e olho-te com um sorriso… que se gerou do teu… Perguntas se eu tenho alguém especial, se me entrego a pessoas que não me amam e que me dizes não vale a pena correr atrás de quem não é nosso, cada um tem a sua pessoa neste mundo…, mais cedo ou mais tarde tropeçamos nela, não me sinto à vontade em abrir a minha vida contigo, afinal prefiro ouvir os teus 28 anos e já uma luta pela vida…
Amanhã sais…, vais de novo para casa, espero que não voltes aqui, só de visita, só de passagem, quero acreditar que não voltas que realmente é o ultimo ciclo de quimioterapia que fazes, que deu resultado e que afinal esta pausa “na vida” foi apenas para reflectir como é bom viver… e viver feliz junto daqueles que nos fazem sorrir.
Sei que hoje só janto em 5 minutos…, mas olha, prefiro isso e ficar feliz e mais rica por dentro… as minhas colegas enfermeiras chamam-me… Até já…lutador de sonhos…**
quarta-feira, 4 de abril de 2007
Domingo de manhã...
Lisboa num Domingo de manhã…, é diferente…
Saio de casa ainda não são 7 horas, abro a porta do hall do prédio e sinto uma serenidade diferente dos outros dias, não vejo ninguém…, o ar frio do Inverno que ainda não sentiu a Primavera entra-me pelo corpo e arrepia-me, um ar frio que me deixa de sorriso no rosto. A maioria ainda dorme. Talvez encontre um desportista que desafie o descanso de Domingo e já desça a minha rua em calções, apesar de ainda se sentir o ar fresco da manhã e da primavera que ainda não chegou. Que estrondo faz a porta do prédio…, penso para mim, entro no carro e dirijo-me para Lisboa como faço todas as manhãs em que trabalho, mas hoje é Domingo, sei que posso sair mais tarde, sei que não vou encontrar quase ninguém, sei que vou chegar com sossego.
Hoje por entre o frio que me arrefece já me cheira a dia de verão, faltam 10 dias para a primavera…., cheira a quente, cheira a sol, cheira aquele verão quente que me deixou há uns meses. Se Lisboa fosse como em todos os Domingos, era mais alegre, mais linda quando sossegada, quando me acolhe assim. Percorro a A1 com o sol que me começa a aquecer o meu lado esquerdo, ainda meio reflectido no Tejo e em todos os prédios que o teimam esconder, chego à rotunda do relógio e sigo pela Av. Do Brasil… Tudo perfeito! A luminosidade certa, as árvores certas que me envolvem de ambos os lados, as avenidas paralelas que deixam desembocar o sol, e no seu fim é que avisto um automóvel, talvez alguém como eu que irá trabalhar… alguém que deve apreciar Lisboa assim como eu, num Domingo de manhã a 10 dias da Primavera.**
quinta-feira, 4 de janeiro de 2007
Folhas verdes
Não é Outono, é Inverno.
Não é Natal, é fim de ano, início de novo ano.
Desço a Avenida sigo meia rotunda de Entrecampos, viro… quase em frente e desemboco na Estados Unidos da América. Percorro-a, como em todos os dias…, mas hoje há qualquer coisa de diferente nela, ao mesmo tempo uma quietude e uma vigorosa vida percorre-a.
Absorta nos meus pensamentos, sigo com cuidado o veículo, que me antecede, à espera que as luzes vermelhas se acendam e lá meta o pé no travão. O vermelho cai, e automaticamente reduzo para a velocidade mais baixa, o verde acende. Enquanto o sigo reparo em algo, diferente, harmonioso até…
Teimosamente ainda persistem folhas nas árvores que rodeiam a via, umas caem desamparadas outrora resistentes, mas acabam também elas por renunciar à vida, está na sua hora. Todos temos a nossa hora. As outroras folhas que resistiam, permanecem agora na via por onde tenho passado nestes últimos meses, outrora verdes, hoje vejo-as mortas tapeteando o alcatrão que piso. Mas hoje ganham outra vida, um espectáculo de beleza simples, sem nada de sensacional, mas que hoje parece particularmente sublime. Observo, observa tu também quando tiveres tempo…, ou então se poderes fotografa, isso, fotografa envia-me uma foto deste raro fenómeno de beleza… As folhas mortas, ganham vida, no nosso movimento do dia-a-dia, levantam novo voo… à passagem das nossas viaturas, rodopiam nas rodas, dançam no vento do movimento, à medida que sigo na estrada. Reparo em tão estranho belo fenómeno, como é que um simples esvoaçar de folhas secas e mortas, ganha tão espectacular vida? Esvoaçam na direcção do meu vidro e saem das rodas que me precedem. Simplesmente irreal, pena não poder fotografar este momento. Parece digno de uma cena de contos de fadas… Mas não, passa-se em plena Avenida dos Estados Unidos da América onde passo todos os dias. Hoje bastou apenas olhar…, o que me trouxe esta pequena rara beleza…. Se puderes olha, fotografa e envia-me cristalizado esse momento belo.**
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