terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Como enfermeira,

Como enfermeira,
Já cuidei de pessoas de todos os estratos sociais, baixos, médios, médio altos e altos…

Uns não são mais que outros, são apenas pessoas e não mais que isso, igual a mim a ti…, tudo o que têm ficou lá fora do hospital. E cuido de igual forma da Senhora de 80 anos que vive só e numa casa com duas divisórias, como cuido do Senhor de 67 anos que vive numa mansão em Santa Cruz na linha da praia. Não me interessa…, procuro que se sintam o melhor possível dentro daquilo que lhes podemos dar para que recuperem de novo a sua saúde e voltem para o seu “lugar”, o lugar onde realmente é o seu lar… Claro que tenho em conta o seu nível de cultura geral, pois não irei falar da mesma forma como falo com o Sr. António que é pastor como falarei com o Sr. João que é advogado. E sei da importância de tudo o que rodeia a pessoa de quem cuido… pois é o seu mundo…

Contudo…, houve uma pessoa que me marcou,

Posso dizer que é de um nível de estrato social alto… e com uma cultura geral acima da média, professor doutor e já com direito a destaque pelo presidente da república… Posso dizer que, não sei se devido à minha ignorância ou não, não tinha noção da sua importância e contributo para nós… Mas, também não foi a partir do momento que tive essa noção que mudei o meu tipo de cuidados para com ele. Posso dizer que já faleceu, falo dele no presente pelas obras que nos deixou e sendo assim, ainda se encontra entre nós…

Existe uma situação que me acorre constantemente à minha memória…

Este senhor de quem falo, já não se encontrava nas suas faculdades mentais todas, pela sua idade e doença que o consumiam… O seu discurso por momentos deixava de ser coerente tal como as suas atitudes, o que por vezes para nós enfermeiros exige algum tipo de habilidade para chamá-los à “razão” ou ao nosso tempo e espaço…
Num dia, num dos meus turnos, como meu doente “atribuído” levei-o ao duche…
Com a minha ajuda, pôde tomar banho, pois tinha alguma dificuldade e cansaço em mobilizar-se… Naquele… dia… enquanto o olhava e ajudava-o a tomar banho… a fazer a sua higiene pessoal, pensava para comigo…

“Que sentimentos vão dentro desta pessoa de quem cuido?
Uma jovem como eu…, a ajudar, a cuidar de uma pessoa com a sua importância, nível de cultura tão elevado, a sua experiência de vida tão rica, tão viajado… já congratulado a nível nacional… e eu? Que significado terei junto de si?...”

Senti que o queria proteger mais ainda, do que já estava a fazer, proteger a sua dignidade…, vê-lo despido reduzido ao seu corpo e com muitas dificuldades em cuidar de si sozinho… Chocava-me por dentro…

Não que as outras pessoas de quem cuidei e cuido, não tenham a mesma importância… Não… Mas senti-me “pequena” junto dele, “esmagada”, junto de uma vida tão rica e eu ainda com tanto para viver. Contudo tinha ali o meu verdadeiro e importante papel junto dele, tinha a capacidade de o proteger, de proteger a sua dignidade humana… de o ajudar a recuperar qualidade de vida e posso dizer que o consegui… ou não seria eu enfermeira.

Penso que o abismo entre os seus conhecimentos e o seu papel tão importante na história contrastavam com a sua condição física reduzida… E eu?... Sei que não o poderia fazer viver para sempre, então cuidei dele como melhor consegui e que tento todos os dias fazer dentro das condicionantes que nos rodeiam…

E sei que apesar de tudo se mantém vivo com o que nos deixou…

Cada vez que olho para o seu livro que me deu de presente… Agradeço por me fazer pensar que apesar de jovem, tenha o meu verdadeiro papel junto de pessoas assim como você…

Obrigada**

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Como descrever?...

Como posso descrever?
Sinto as pernas carregadas, os músculos tensos, ainda a latejar… os olhos pesados e com fundo avermelhado, paro o carro e olho-me no espelho retrovisor, que cansaço esbatido no rosto. Após quatro noites de trabalho…, sinto o corpo quase a quebrar…

Desligo o carro e abro a porta, o frio cortante de hoje trespassa-me o rosto…, entra-me pelo casaco ainda desabotoado, sem pedir licença e consegue alcançar a minha pele, mesmo com as camisolas que trago vestidas. Faz-me arrepiar cada parte do meu corpo fatigado, faz-me sentir viva… . Abotoo-o e aconchego-me bem, enquanto dou os pequenos passos que são necessários até à porta do meu prédio…

Mas hoje há um cheiro familiar no ar… inspiro profundamente, sinto o ar frio da manhã de inverno a percorrer os pulmões e a fazer-me lembrar de cada parte do meu corpo que estava adormecido pelo cansaço e pelo calor do carro onde conduzi. Hoje existe o aroma de uma noite fria, com alguma humidade no ar…, apesar do céu azul que se desenha agora de manhã.

Como posso descrever?... Inspiro novamente….
Sabe bem o ar frio que me enche os pulmões e o vento gelado que corta o meu rosto, é engraçado, como o cheiro me é familiar, faz-me sentir simplesmente bem… Lembra-me o inverno frio, lembra-me aquelas manhãs frias em que somos crianças e ficamos em casa a ver os desenhos animados na televisão aos domingos de manhã, logo pelas 7horas, lembra-me sair de mão dada com os meus pais já depois de almoço e sentir este frio de agora igual, lembra-me… Simplesmente não consigo descrever…, recordo-me o levantar da cama sentir o frio a trespassar o meu pijama e correr para cozinha e pedir o leite com chocolate à minha mãe, ver ela a prepara-lo do sofá e bebê-lo quentinho na sua companhia… enquanto ela faz um bolo por ser domingo…

Meto a chave na fechadura do prédio…, sinto-me bem…, sinto-me viva… sinto-me com vontade de viver cada momento e cada pormenor que nos rodeia… Apesar do cansaço esbatido no rosto, tenho sede de viver… mas hoje subo as escadas chego a casa e adormeço profundamente enquanto a maioria das pessoas trabalha…
Vivo enquanto durmo, sonho… renovo-me para o que aí vem…**